Há dois meses, no auge da polêmica sobre as concessões rodoviárias, escrevi um artigo me posicionando sobre o assunto. Aí vai!
| Sobre o Programa de Concessões Rodoviárias |
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Sou o titular da Secretaria de Política Nacional de Transportes/MT. Por conta disso, tenho como atribuição do cargo subsidiar o Ministério dos Transportes e o Governo Federal sobre a política de concessões rodoviárias na malha federal. O atual programa de concessões, que ganhou inusitado espaço na mídia, foi executado sob a direção e supervisão desta Secretaria. Motivo pelo qual sou levado a comentar alguns aspectos estratégicos do referido programa. 1. Privatização igual à Concessão? A primeira grande confusão diz respeito a tratar como iguais conceitos bastante diferentes. Privatização é o que ocorreu com a transferência total do que era a CSN ou a Cia. Vale do Rio Doce para a iniciativa privada. Patrimônio transferido, operação transferida, não há um contrato entre governo e novos empreendedores. As novas empresas, conseqüência da privatização, têm gestão plena sobre o negócio, não tendo que prestar contas ao governo, mas somente às leis em vigor e aos acionistas. Concessão é uma forma de contratação, normalmente num prazo muito maior do que um contrato comum, onde o patrimônio continua sendo do ente público e uma empresa ou consórcio é contratado para manter o patrimônio, amplia-lo e prestar o serviço no padrão estabelecido no contrato. Há, portanto, um contrato a ser seguido e, no âmbito das rodovias federais, a ANTT é o órgão que tem a competência institucional de faze-lo. O padrão do serviço a ser prestado, as condições de reajustamento da tarifa, alterações no cronograma de obras, entre outros, são itens controlados por um órgão público e não pelos contratados (concessionários). Se o contrato for rescindido ou tiver seu prazo concluído, a rodovia volta ao domínio do Ministério dos Transportes, com todas as benfeitorias realizadas, sem que nada se deva ao concessionário. Em caso de rescisão, será levado em conta o que deixou de ser feito. 2. O que motiva a concessão rodoviária? Governos, em todo o mundo, têm compromissos e necessidades a atender, visando o desenvolvimento sustentado do país, do Estado, do Município. O custo de atendimento dessas necessidades é, também em todo o mundo e sobretudo no Brasil, muito maior do que a disponibilidade de recursos públicos para faze-lo. Em geral, o que se faz? Seleção de prioridades. Fazer isso significa fazer escolhas. Significa definir o que será feito e, como não há recursos para tudo, o que não será feito naquele ano ou nos próximos anos. No caso das rodovias, a escolha de qual atender sempre recairá sobre aquelas que têm maior volume de tráfego, carregam maior parte da riqueza, e que, normalmente, estão localizadas no Sul e no Sudeste do país. A conseqüência natural é o abandono das rodovias de menor volume de tráfego e que atendem a regiões menos ricas economicamente. Nos países ricos, onde a malha rodoviária já está consolidada há décadas, esse processo de escolha é muito menos traumático. No Brasil, ele é cruel pois o círculo vicioso tem a lógica de priorização – absoluta – da infra-estrutura nas regiões mais ricas economicamente. Para romper com esse círculo, há que se pensar em outras formas de financiamento das obras e serviços de infra-estrutura rodoviária, que garanta o atendimento às regiões mais ricas e permita a alocação de recursos para financiamento de obras e serviços nas regiões menos ricas, como o Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Empréstimos a órgãos como o BIRD e BID foram utilizados durante muitos anos mas eles apresentam um problema. Em algum momento esses empréstimos terão que ser pagos. A partir daí, o circulo vicioso apresenta mais um elemento que faz acirrar a disputa por recursos: investir nas prioridades e pagar os empréstimos. A concessão pura e a PPP tornaram-se, no Brasil, uma saída para o financiamento de obras prioritárias e, ao mesmo tempo, aliviar o Tesouro para direcionar recursos para obras que seriam, num primeiro momento, “menos prioritárias”. A concessão rodoviária brasileira, portanto, não pode ser comparada a modelos de países ricos, onde a lógica é completamente diferente. Lá, há uma rodovia consolidada e que tem um bom atendimento, mas devido ao seu traçado passar em inúmeras áreas urbanas, oferece uma oportunidade de negócio para os empreendedores de construir uma alternativa que ofereça um traçado mais direto entre grandes cidades, com velocidade operacional muito maior e com segurança. Aqui, a questão é como financiar os investimentos em infra-estrutura, de forma a consolidar, o mais rápido possível, uma malha rodoviária que garanta uma logística de carga e de passageiros de menor custo operacional, menor tempo de deslocamento e mais segurança. O País precisa acelerar os investimentos em infra-estrutura. O País quer que isso aconteça rapidamente. 3. Qual a situação desejável na concessão rodoviária? Se todos os usuários pagarem, todos pagam menos. O pedágio da Dutra, por exemplo, poderia ser muito menor do que é hoje, se todos os usuários da via pagassem pedágio. Ocorre que circulam mais de 500 mil veículos/dia e somente 70 mil pagam. Isto porque grande parte dos usuários circula nessa via entre praças de pedágio, especialmente entre São Paulo e Rio e as respectivas próximas praças, não pagando por este uso. No entanto, esses usuários desgastam a estrutura viária e exigem atendimento mecânico e médico do mesmo modo que aqueles no tráfego de longa distância. No futuro próximo, teremos sensores capazes de identificar a entrada e saída de cada veículo, na rodovia pedagiada, o que levará a cobrar de cada um exatamente a quilometragem percorrida naquela via. Com isso, os valores pagos serão muito menores e todos terão a percepção de que estão pagando o valor justo. Enquanto esse futuro não chega, o que é possível é evitar as fugas, para garantir que o tráfego que remunerará a concessionária seja suficiente para realizar o conjunto de intervenções necessárias e um elevado padrão de qualidade para o usuário da via. 4. O que ganha um usuário de uma rodovia pedagiada em contrapartida ao pagamento da tarifa? É errado fazer uma comparação entre uma rodovia em situação precária e ela mesma em situação ótima. Os editais de concessão que precisamos e queremos licitar não prevêem apenas a manutenção da rodovia. Esse é um equívoco em que muitos incorrem quando argumentam contrariamente à concessão. Esses contratos estabelecem um conjunto de intervenções: a restauração das rodovias (pistas, pontes, viadutos); a ampliação da capacidade ao longo dos anos, em função dos volumes de tráfego, com a implantação de terceiras-faixas, duplicações e “trevos”, entre outras intervenções; a construção de contornos de cidades; a manutenção da rodovia em elevado padrão de exigência técnica; o atendimento médico em caso de acidentes; o atendimento a veículos com pane elétrica ou mecânica; serviço de pesagem dos veículos; entre outros. A diferença para o usuário, portanto, é de que numa rodovia concessionada a tarifa paga tem uma contrapartida confiável, em termos da qualidade do serviço prestado, ao longo dos vinte e cinco anos do contrato. A probabilidade de quebra dessa qualidade é mínima, já que a concessionária tem que atender a padrões de qualidade pré-fixados e não somente realizar obras em períodos pré-fixados. Nas rodovias operadas diretamente pelo órgão público, essa qualidade será variável, em função da situação fiscal do governo. Só que a própria sociedade não quer saber – com toda a razão – de qualidade variável ao longo de vinte e cinco anos, com períodos de bonança seguidos de períodos de precariedade. É importante lembrar que os valores das tarifas dos sete lotes em vias de licitação são menores que os existentes – federais e estaduais. Isto já é um avanço em relação aos problemas dos contratos anteriores. 5. Quais as principais diferenças entre o atual programa de concessão rodoviária e os existentes? A primeira diferença diz respeito ao risco de tráfego. Nos modelos anteriores, o cronograma de obras era definido previamente, com base em volumes de tráfego estimados. Como o volume de tráfego é o que condiciona a receita da concessionária, a realização de obras antes que o volume as justificassem levavam à situação de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, acarretando reajustes das tarifas, geralmente para mais. No atual programa, estima-se um cronograma de intervenções em função do tráfego, mas a concessionária somente o implementará em função dos volumes reais e suas tendências. Com isso, não ocorrerá o reajuste da tarifa por conta de re-equilíbrio do contrato, como prevê a Lei 8.666. Outra diferença é que as obras, nos contratos existentes, têm suas quantidades definidas no contrato. No atual programa, os custos são globais e as quantidades passam a ser risco da concessionária. Isso facilita a busca de soluções mais de acordo com o estágio tecnológico na ocasião, gerando menos aditivos contratuais que, normalmente, encarecem o contrato levando à necessidade de seu re-equilíbrio, com majoração das tarifas. De um modo geral, as novas regras possibilitarão tarifas mais estáveis. Além disso, a utilização do IPCA para os reajustes anuais, também permitirá uma situação mais equilibrada entre a variação do custo de vida do usuário e o custo do pedágio. 6. Porque concessão à iniciativa privada e não operação direta pelo governo, com cobrança de pedágio? Este segundo modelo já existiu, quando do início de pedagiamento da Dutra, e apresenta alguns problemas quase intransponíveis: a) a receita do pedágio, legalmente do ponto de vista fiscal, não tem como ter o seu retorno garantido para investimentos naquela rodovia onde houve a arrecadação, isto é, receita arrecadada por órgão público vai necessariamente para o caixa único. Logo, o usuário muito provavelmente não verá o seu dinheiro retornar diretamente na manutenção de um elevado padrão de serviço, pois o recurso poderá ser direcionado para outras prioridades do governo. Ao contrário, o mais provável é que o usuário se irrite porque está pagando e as melhorias não estão ocorrendo; b) ainda que houvesse a possibilidade de garantir o retorno do dinheiro arrecadado na mesma rodovia, haveria um outro problema. Os investimentos anuais pesados – como duplicação de trechos – muitas vezes são bem maiores do que os valores de arrecadação anual. O governo não pode fazer poupança ou ir ao banco solicitar financiamento da mesma forma que uma empresa privada. Assim, é difícil garantir um fluxo financeiro de investimentos em sincronia com o fluxo da receita; c) em situações de pendências judiciais, a Justiça poderia promover embargo da receita para garantir pagamento de causas, inviabilizando o cronograma de investimentos necessários. 7. O que a Sociedade quer do atual programa de concessões rodoviárias? Tendo participado de inúmeras discussões com entidades do transporte rodoviário de cargas – empresas e autônomos –, chefes de executivos municipais, vereadores(as), lideranças comunitárias, entre outros, posso afirmar que eles querem: 8. Comentários finais a) se o Governo necessita e quer outras formas de financiamento da infra-estrutura de transportes, não pode abrir mão de contar com a iniciativa privada para ajudar nessa tarefa, já que os recursos públicos são insuficientes não para o volume de investimentos mas para a velocidade com que eles precisam ser realizados; |
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